Por ocasião do Motorclássico neste ano de Centenário MG, umas leituras mostraram-nos que aquele que veio a ser conhecido como o Old Number One foi sem dúvida o primeiro MG a ser construído, especificamente, para competição. Cecil Kimber assim o quis para competir no Lands End Trial, de 1925, na classe de veículos ligeiros e ali ganhar a Medalha de Ouro. Apesar disso vendeu-o logo de imediato a um amigo por £300 e com lucro.
A traços largos, o Old Number One foi construído tendo por base um chassis Morris Cowley Bullnose com a secção traseira modificada.
Equipava-o, não um motor Morris com válvulas laterais, mas sim um motor Hotchkiss especial de 11,9 hp arrefecido a água. Este motor, originalmente destinado à empresa Gilchrist Cars, era uma unidade de 4 cilindros em linha, com válvulas à cabeça de 68mm de diâmetro e 102mm de curso, o que lhe conferia uma capacidade de 1.548cc e lhe permitia ir dos 0 – 60mph em 20sec e atingir uma velocidade máxima de 129km/h (80mph). Articulava-se com uma caixa manual Morris de série com 3 velocidades. O combustível era introduzido no carburador SU por uma bomba de pressão de ar manual situada junto à alavanca de velocidades.
O sistema de suspensão utilizava uma mola semielíptica normal à frente e molas traseiras semielípticas especiais. As jantes altas com raios de arame foram montadas nos cubos normais com três parafusos e os travões eram um sistema de tambor normal da Morris Oxford, tanto à frente como atrás.
Cousins e Stevens da Carbodies, em Conventry, projetaram e construiram uma carroçaria especial em chapa de alumínio inspirada nos Bugatti que viam nas revistas da especialidade, uma vez que esta marca começava a destacar-se nas provas de competição na Europa Continental. A montagem final do carro ocorreu na fábrica da Morris, em Longwall.
A instrumentação extra incluía um tacômetro, medidores de pressão de combustível e óleo a par dos velocímetro e amperímetro padrão. A única iluminação do carro era feita por duas pequenas luzes laterais montadas de cada lado da grelha e por um único farol que veio a desaparecer tal como aconteceu com ele até que, em 1932, veio a ser descoberto num ferro-velho de Manchester por um funcionário da MG Car Company, e comprado por £ 15. Levado para a fábrica de Abingdon foi restaurado para ser usado como veículo de promoção da marca.
Atualmente, faz parte da coleção do British Motor Industry Heritage Trust, em Gaydon, onde se encontra em exposição permanente. É mantido em perfeitas condições de funcionamento e ao longo dos anos muitos jornalistas, historiadores e entusiastas privilegiados foram autorizados a conduzir o automóvel para avaliação dos seus méritos, o que muito ajudou a alimentar o enorme número de seguidores da marca por todo o mundo.
E aqui chegados, espreitemos um pouco do que veio a ser o Universo Hothkiss et Cie a partir da altura em que o Eng.º Benjamin Berkeley Hotchkiss (1826-1885), cidadão americano nascido no Connecticut e reconhecido fabricante de munições, decidiu mudar de Continente para, na companhia do seu filho, aceitar um convite do Comité de Defesa Nacional Francês. A Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) eclodira e era necessário montar e gerir uma fábrica para a produção de munições metálicas para pequenas armas, em Viviez, na região de Paris.
Em 1875, esta fábrica deu lugar a uma outra em Saint-Denis, Paris, para a produção do famoso canhão giratório Hotchkiss que foi desenvolvido como arma de defesa contra os primeiros torpedeiros, acabando por ser adotada por quase todas as Marinhas do mundo. Também lá foram desenvolvidas as armas de disparo rápido e semiautomáticas Hotchkiss, e as metralhadoras automáticas Hotchkiss.
Em 1901, não abandonando a produção de armas, a empresa passou a fabricar componentes para os motores dos automóveis das marcas Panhard et Levassor e De Dion-Bouton.
Como em 1903 já fabricava motores completos começou, sob o incentivo dos dois grandes distribuidores de automóveis Mann & Overton de Londres e Fournier de Paris, a produzir os seus próprios carros.
Com o início da Primeira Guerra Mundial, as autoridades militares francesas ordenaram a transferência urgente da fábrica para Lyon conseguindo, em apenas 12 dias, retomar a produção de forma a suprir não só as enormes necessidades dos exércitos francês e belga, mas também conseguir equipar com canhões Hotchkiss as primeiras divisões americanas a chegar a França. Em 1915, o esforço de guerra levou a que fossem instaladas fábricas de metralhadoras, em Coventry, a pedido do governo britânico para seu uso nos tanques e cavalaria britânica.
Passado o conflito, em 1923, a Morris compra a fábrica da Hotchkiss et Cie que já lhe fornecia motores e caixas de velocidades, desde 1920, na mesma altura em que Cecil começava a desenvolver os designados ”Kimber Specials” com o octogonal emblema MG. Paralelamente, Henry Mann Ainsworth deixava a Inglaterra para assumir o cargo de Diretor-Geral na Hotchkiss et Cie, em França, o que cumpriu até à sua reforma em 1949.
Em 1929, uma nova fábrica instalada no Boulevard Ornano, permitia-lhes fabricar carroçarias em aço e desenvolver novos modelos de 4 e 6 cilindros. Os Hotchkiss eram carros de luxo, elegantes, robustos, fiáveis, dirigidos à burguesia e à classe média alta, o que fez com que o nome de Hotchkiss fosse famoso por mais de meio século.
Em competição, a marca Hotckiss bateu muitos recordes mundiais de velocidade em Montlhéry e ganhou por 6 vezes o Rally de Monte-Carlo nos anos 1932, 1933, 1934, 1949 e 1950, muito à conta do seu modelo 686 GS 3.5L que surgiu em 1936.
A retoma da produção automóvel no pós-guerra (1939-1945) não conseguiu reabilitar a marca que neste segmento terminou em 1955 e só a produção de camiões, que já vinha de 1936, foi equilibrando a empresa chegando alguns deles a serem adaptados a carros de bombeiros.
O nome Hotchkiss viria a desaparecer em 1970 depois do seu último ato público ter sido a apresentação do Jeep Wagoneer no Salão de Paris, em 1969.
Para Portugal terão vindo 34 viaturas e cerca de metade ainda existirão. Algumas fazem parte da coleção privada do Sr. Eng.º Erik Ulrix que visitámos com muita curiosidade no dia de comemoração do 43º Aniversário do MGCP.
Lá encontrámos um Hotchkiss Type T Coupé de 1909 a fazer a transição do hipomóvel para outra força motriz.
Foi-nos explicado o significado do termo Chauffer e porque razão todos os carros expostos têm o volante à direita, circulando em França. Percebemos a razão porque alguns modelos foram transformados em carrinhas de caixa aberta. Vimos um trator, jeeps e deliciámo-nos com o trabalhar de um motor de 6 cilindros de um exemplar dos anos 30. Encontrámos o Hotchkiss do nosso Sócio Honorário Nº 16 – Jacques Touzet que nos encontros do MGCP conduzia um MG Midget TC. E de lá não saímos sem passarmos pela área de depósito, reparação e restauro de viaturas, bem como pela zona de “lembranças” e documentação Hotchkiss. Em jeito de agradecimento pela gentileza que o Casal Denise e Erik teve em nos receber, oferecemos um Relógio Centenário MG, Jacques Lemans.
O almoço foi servido no Páteo Velho da Milá, na Atalaia, para matarmos saudades dos tempos dos aniversários na Ota. Excelente ambiente, serviço e interessante bolo cujas velas o Presidente MAG – Gouveia Fonseca – apagou de forma original.
Fontes:
https://www.mgownersclub.co.uk/mg-guides/pre-war/old-number-one
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hotchkiss_et_Cie
gracesguide.co.uk
www.garagehotchkiss.com
· Primeiros modelos: Hotchkiss 17CV : 1903 Hotchkiss 20-24CV : 1904 Hotchkiss HH : 1906
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· 1910-1914: Hotchkiss 12-16CV : 1910-1914 Hotchkiss 16-20CV : 1910-1913 Hotchkiss 20-30CV : 1910-1914 Hotchkiss 40-50CV : 1910-1914 Hotchkiss AD : 1913-1914 |
· 1920-1933: Hotchkiss AH : 1920-1923 Hotchkiss AF et AL : 1920-1924 Hotchkiss AK : 1921 Hotchkiss AM et AM2 : 1924-1932 (Slogan “O carro de Ouro”) Hotchkiss AM80 : 1928-1933 |
· 1933-1948: Hotchkiss 411, 412, 413, 415 et 480/486 : 1933-1937 Hotchkiss 614, 615, 620 et 680/686 : 1933-1939 Hotchkiss 864 : 1937-1940 Hotchkiss 866 : 1946-1948 |
· Últimos modelos: Hotchkiss Artois : 1948-1950 Hotchkiss Grégoire : 1950-1953 Hotchkiss Anjou : 1950-1954 Hotchkiss Anthéor : 1950-1954 Hotchkiss Agay : 1954 Hotchkiss Monceau : 1954 |